Falo como fã de Cristiano Araujo (Pink Floyd, The Clash e Public Enemy), colorista de fim de semana, leitor de John Green (e Fitzgerald), morador do extremo leste de São Paulo (mas frequentador de hamburguerias hipsters em Pinheiros) e fã assumido de Pânico Na TV ( mas grande entusiasta dos filmes do David Fincher).
O Zeca Camargo não está de todo errado. A exposição da morte do Cristiano Araujo foi enorme, mas não desnecessária. Por que? Porque gerou uma grande comoção por parte da maioria que consome conteúdo da TV aberta e compra Samsung Galaxy 5 na Casas Bahia. Essas mesmas pessoas são as que pagam R$ 500,00 para assistir um festival sertanejo no campo de marte, compram Camaro e viajam para o exterior, independente da situação financeira do país. Ou seja, a grande mídia e os portais de notícia querem dar o que seus telespectadores mais fiéis querem ver, e audiência gera mais propaganda que gera mais investimento de mídia que gera mais vendas. É errado agradar o(s) cliente
Outro ponto é a falta de respeito para com os artistas. A música sertaneja alcançou um patamar nunca antes atingido, e deixou de ser uma celebração caipira. Tome como exemplo a turnê internacional que o Jorge e Mateus estão realizando neste exato momento, os “playbas” do morumbi que fecham camarotes no VillaMix e as festas de rodeio regionais que movimentam mais pessoas que os clássicos de futebol. Os músicos “desconhecidos de um sucesso só” merecem respeito. Eles não conquistaram suas range rovers do nada. Eles batalharam anos para conseguir montar uma estrutura de show de nível internacional (ex.: o último DVD do Munhoz e Mariano) e hoje, aos olhos de um marqueteiro, são as principais formas de economia do país em crise (O Caldas Country movimenta milhões para a cidade de Caldas Novas com hotelaria, turismo e entretenimento).
Fora tudo isso, Zeca Camargo comparou a “falta de cultura” com os livros de colorir. Esse tipo de publicação vem tirando o mercado editorial do marasmo e movimentando muita grana. O engraçado é que “leitores” A/B são os que mais investem nisso. Deveria ser diferente, não? Eles são mais “cultos” que a grande maioria. Não deveriam comprar Tolstoi e Dostoievski?
O que o Zeca Camargo não entende é que a cultura do país mudou muito de uns tempos para cá. Se anos atrás a luta do Cazuza contra a aids causou comoção geral, hoje é a vida interrompida de dois jovens caipiras que gera este efeito, não no país inteiro, mas em grande parte… E isso é bom. Você não precisa gostar da mesma coisa que eu, muito menos conhecer. A mídia está muito mais segmentada e temos a opção de não ser impactados por isso.
Isso sem contar que Zeca é pago por emissora popular, participou e apresentou reality show (a escória da televisão) e suas últimas notícias eram sobre os bastidores das novelas das 8 (Vídeo Show). Se ele tem tanta convicção e bala na agulha para proferir tais palavras, por que algumas horas depois ele estava elogiando a cobertura da morte e o talento do cantor em voga? Por medo de perder a audiência dos mesmos burros consumidores de músicas monossílabas (tcha tcha, tãe tãe, bara bere) que antes ofendeu.
(Falando em letras monossílabas, concordo que esse tipo de canção não agrega em nada na vida do ouvinte, mas nem só de revolução e letras bem fundamentadas se constrói uma playlist)
O Cristiano Araujo podia não ter a “carreira consolidada” a ponto de todo mundo conhecer o seu nome, mas isso não dá o direito das pessoas desrespeitarem sua morte, seus fãs e companheiros de trabalhos.